quarta-feira, 2 de setembro de 2015


No teu silêncio

Desperto, abro os olhos e mantenho-me imóvel como habitualmente.

Sinto-te, Dor, sonhei que tinhas partido e que poderia recomeçar a viver.

Não me levanto ainda, espero que o meu corpo dormente consiga se movimentar. Por mais que queira saltar da cama e abraçar feliz este novo dia, sou incapaz.

Porque continuas presa a mim, sugando o meu corpo? Estou cansada de te carregar!

Resisto mais este dia. Ontem apesar de tudo levei a melhor sobre ti! Cada dia, destes longos anos, em que me punes por algo a que nem fui sentenciada, falo contigo e tu respondes, mutilando o meu corpo. Porquê?

Já nem falo de ti para ninguém que estás sempre presente, que me atormentas, e que me fazes sofrer em surdina. Não acreditam, pensam que estou doida, que exagero.

Tu és egocêntrica e ciumenta, afastas de mim toda a gente. Não entendes que não quero viver unicamente para ti?

Insistes em me causar mal, fazer com que não possa aspirar a viver uma vida simples, poder ser acarinhada.

Resisto todos os dias à tua impiedosa perseguição, crio os meus filhos sorrindo, tentando controlar os meus movimentos, para lhes esconder a tristeza de não os poder abraçar, com a força que me retiras.

Por vezes finjo esquecer, e quando te desafio, tu reages com fúria, derrubas-me. Sei que sou refém do teu julgamento sem lei.

E tu usas o meu corpo para te alastrares, insensível à minha feminilidade, ao meu ego, ao meu desejo de ser bonita para mim mesma.

Também resisto e não me conformo, tento readaptar todos os dias o orgulho que tenho em mim mesma, vencer na tenacidade, transformar as tuas arbitrariedades em forças.

Estou só nessa luta, tu sabes bem disso. Tu acreditas que vais vencer, que me vais quebrar, me derrubar, mas não tem sido fácil, pois não?

Só conheces a via do sofrimento. Não entendes que a esperança, e que a alegria de acompanhar quem amamos é fonte de inesgotável energia. 

Por cada sorriso dos meus filhos, venço cada uma das tuas torturas.

Não tenho receio de morrer. Não entendes que também vais morrer comigo? A tua voracidade reduz a tua existência, em cada ataque que causas à minha imunidade. 

Tu não tens vida, devoras a minha, destróis. Desconheces como é magnifico, tudo o que ela cria! E o meu desejo de ser feliz é a tua angústia.

Não sou de me render à derrota, e apesar da tua presença ser insuportável, a minha cabeça é forte, sou senhora da minha consciência e da minha vontade.

Por isso, todos os dias continuo a fazer as minhas tarefas, mesmo as mais dolorosas.

Tu só tens essa mísera missão, que tristeza a tua razão de existir. Eu acredito que ela terminará, talvez não em mim, mas em tantos corpos que te carregam. A ciência evolui mais depressa do que imaginas.

E agora que te conheço cada vez melhor, aprendo a viver contigo, aprendo a te contornar sem dares por isso. És cega!

Agora vai, deixa-me, tenho que me levantar, tenho que cuidar de mim.
Hoje vou celebrar a vida, vou te esquecer e tirar dos raios de sol o antídoto da tua inexpugnável existência.