quinta-feira, 22 de maio de 2014



Quarto de Hotel


 

Quem não experimentou essa sensação de passar uma noite só, num quarto de hotel, não conhece todo um tipo de sensações que se contradizem entre elas.

Tudo se inicia com a expetativa de conhecer o espaço e descobrir tudo o que ele oferece. Tentamos compensar a ausência do nosso lar, no aparente conforto que nos transmite este estranho contentamento de estar num quarto de hotel.

Este namoro é efémero em breve se desvanece por algum pormenor esquecido que lembramos subitamente de outro quarto, daquele outro que nos maravilhou. Ainda estamos no estágio da total ausência de introspecção, pois esse abismo não se abate logo sobre nós.

Em seguida, sentimos desejo, sentimos vontade de fazer tudo o que nos foge à rotina, desejamos algo inusitado, fetiches escondidos e reprimidos. Deixamo-nos estar deliciados até perceber que são tão irreais como a miragem de uma tenda num deserto.

Voltamos a ser nós próprios, acomodamo-nos ao ambiente e desfazemos lentamente parte da mala, experimentamos a casa de banho e tal como os animais marcamos o nosso território, pois também precisamos de sentir essa mesma segurança.

Em seguida, vamos explorar o hotel, os seus serviços, que sabemos ser a extensão do nosso breve lar. Essa primeira excursão é geralmente rápida, apenas precisamos de verificar detalhes para pontuar o hotel.

Voltamos em passo largo para o nosso quarto, verificamos tudo novamente e aí sentimo-nos em segurança. Nesse instante estamos em condições de regressar a nós próprios e então cai sobre nós esta profunda tristeza do abandono, pensamos no que largámos, naqueles que amamos, no pouco que nos acompanha.

No vazio nos deitamos, esperamos que o cansaço nos vença e nos deixe dormir sem muito pensar. No vazio acordamos, geralmente perdidos no espaço, sem um rosto a quem sorrir, sem uma voz para nos ouvir.

Em silêncio nos preparamos pausadamente ou rapidamente, pensando nessa deliciosa refeição que nos irá compensar deste tempo em que estivemos privados da vida. Este alento invade-nos de esperança e com alegria chegamos ao lugar de convívio, em que outros como nós ocupam já os seus lugares. E neste lugar, igual a tantos outros, repetem-se os mesmos gestos de um café da manhã.

Voltamos ao quarto, arrumamos os nossos pertences, despedimo-nos de todos os cantos, procurando por algo porventura perdido e a mudança está feita. Novo olhar breve, em tom de despedida, respiramos fundo, fechamos a porta do quarto de hotel.
 
 

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